O Projeto de Lei do Senado n. 700/2007 tem por finalidade responsabilizar pais e mães que intencionalmente deixarem de prestar “assistência afetiva”, caracterizando, assim, o “abandono afetivo”, para ensejar reparação de danos.
A reparação de danos por pai ou mãe já é inerente ao poder familiar, independentemente, de ser decorrente ou não da falta de assistência afetiva a seus filhos, ainda que por ausência de convivencialidade ou visitação.
A nova proposta de mudança da Lei n. 8.069/90 não se afigura pertinente, e, sequer, oportuna, em razão da sua pouca aderência aos subsistemas de proteção integral da criança e do adolescente.
Caso seja admitida tal mudança, é importante não esquecer que guarda judicialmente concedida não se constitui num critério excludente para o reconhecimento ou não do “abandono afetivo”, haja vista que o detentor da guarda também abandone afetivamente seus filhos.
A convivência e a visitação são direitos individuais (fundamentais) reconhecidos à criança e ao adolescente, e, não se constituem, por isso mesmo, numa obrigação jurídica estabelecida a seus pais.
O pai e a mãe não têm a obrigação de convivência e de visitação, mas, sim, o dever legal de assegurar o exercício regular do direito à convivência familiar e comunitária, assim como à visitação, desde que sejam adequados à proteção integral de seus filhos infantes.
Em casos de ameaça ou violência a esses direitos o agente poderá ser responsabilizado civil e até mesmo criminalmente independe de ser pai, mãe ou detentor de guarda judicial.
Do contrário, os pais sob o fundamento de que estariam a cumprir um dever legal estabeleceriam uma convivência familiar ou visitação absolutamente contrária ao afeto, respeito e responsabilidade protetiva para com seus filhos.
A concepção normativa de “assistência afetiva” já se encontra contemplada de poder familiar. Senão, a indevida intervenção estatal na criação, educação e assistência de filhos infantes e adolescentes estará legalmente autorizada.
A pouca disposição hermenêutica determinada por estereótipos legislativos tem causado conformismo dogmático e entorpecimento burocrático dos órgãos de execução e de julgamento, os quais seguem (re)produzindo essas legais para soluções – inadequadas! – de conflitos.
E isto certamente ocorrerá ao se determinar legalmente o que é “assistência afetiva”, como, por exemplo, “orientação educacional e profissional; apoio nos momentos de sofrimento ou de dificuldades; presença física espontaneamente solicitada”.
O que certamente comprometerá a própria qualidade afetiva da convivência e ou da visitação a ser obrigatoriamente estabelecida por lei.
O Poder Público, ao invés disso, deveria priorizar dotações orçamentárias para área da infância, e, não, simplesmente, optar pela responsabilização (civil e até mesmo criminal) da família, lançando-os definitivamente à criminalização e à marginalidade.
O “abandono afetivo” e a “assistência afetiva” devem continuar a ser juridicamente definidos caso a caso, por meio das importantes contribuições interdisciplinares, e, não diversamente por configurações legislativas.
Ao se definir a convivência e assistência material e moral como deveres legais, incorre-se em especialização legislativa desnecessária, que, limita a proteção integral aos filhos infantes em relação às demais hipóteses de ameaça e violência.
Mário Luiz Ramidoff é Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná, Doutor em Direito e Professor do Centro Universitário Internacional Uninter.